Dr. Carles Llor. Médico de família
Os avanços no desenvolvimento de fármacos e a universalização dos cuidados de saúde constituíram importantes conquistas para a nossa sociedade, mas também nos colocam novos desafios. Quando pensamos em Cuidados Primários, um dos principais desafios ou oportunidades com que nos deparamos é o uso de antibióticos.
Com certeza. Quando olhamos para as estatísticas entre e interpopulacionais por países, comunidades, cidades e centros de cuidados primários, percebemos a grande vulnerabilidade dos médicos na prescrição de antibióticos. Isto não acontece com outras famílias de medicamentos, por exemplo, com os hipotensores ou os hipoglicemiantes orais. Alguns médicos acham que os pacientes aos quais são receitados menos antibióticos têm mais complicações do que aqueles para os quais há uma hiperprescrição. Nada mais longe da verdade. Estudos efetuados em Espanha concluíram que a presença de esputo purulento numa infeção respiratória fraca, sem complicações, é um preditor importantíssimo para a prescrição de antibiótico, tal como a presença de exsudado amigdalar numa faringite aguda. São ideias pré-concebidas do médico, e é muito difícil mudar esta mentalidade. Sabemos perfeitamente que, quanto mais antibióticos receitamos, mais resistências criamos. Um estudo britânico publicado este ano sugere que, em 2050, a mortalidade associada a infeções por organismos multirresistentes aos antibióticos será mais significativa do que as mortes provocadas por cancro.
O que podemos fazer?
O que fazem outros países europeus. Levar este problema mais a sério. Espanha é dos países europeus onde são prescritos mais antibióticos, e nos últimos 5 anos, essa prescrição inclusivamente aumentou. Embora haja alguma manipulação dos dados, pois são apresentados dados de reembolsos, o consumo em Espanha é semelhante ao observado na Grécia, na Turquia ou no Chipre. Há vários anos que avisamos que os antibióticos não podem ser vendidos na farmácia sem receita médica, mas continuam a fazê-lo. Com base na evidência científica de estudos realizados na comunidade, as estratégias que funcionam melhor para evitar a prescrição desnecessária de antibióticos é dispor de métodos rápidos na consulta, aumentar a implementação da prescrição diferida de antibióticos, e melhorar a comunicação com o paciente, recorrendo a materiais escritos que respondam às suas preocupações. O grande objetivo não é diminuir a prescrição de antibióticos, mas sim reduzir ao máximo a prescrição desnecessária. Claro que ninguém quer estar na pele do médico de um paciente ao qual não se prescreveu um antibiótico e que, depois, piora, sobretudo se acabar por ter de ser hospitalizado.
Qual o grau de implementação em Espanha dessas estratégias que referiu?
Muito baixo. Relativamente aos testes rápidos, é verdade que, nos últimos anos, começaram a ser usados testes de diagnóstico antigénico rápido em consulta, para diagnosticar faringites estreptocócicas. Deveríamos recorrer a testes de diagnóstico rápido que sejam exatos, fáceis de usar e de interpretar, e que possam ser usados frequentemente. Nos cuidados primários, ao contrário do hospital, não é tão importante conhecer o agente etiológico da infeção; é mais importante recorrer a testes que nos permitam prever a evolução da infeção. É o caso, por exemplo, do teste rápido da proteína C reativa, amplamente usado nos países nórdicos, que disponibiliza o resultado em menos de 3 minutos. Este teste demonstrou reduzir significativamente a prescrição de antibióticos nas infeções do trato respiratório, sem comprometer a evolução clínica dos pacientes.
Deveríamos promover a prescrição diferida de antibióticos, uma prática segundo a qual o médico entrega a receita do antibiótico ao paciente, ou deixa-a na receção, mas pede ao paciente para a aviar apenas se, ao fim de uns dias, estiver pior, conforme a infeção que apresentar. É uma prática muito frequente no Reino Unido, implementada nas diretrizes de prática clínica, mas que é difícil de introduzir em Espanha. A implementação das brochuras seria simples, mas seria preciso que abordassem aspetos que interessam aos pacientes, e isso nem sempre acontece. E as brochuras deveriam ser discutidas na presença do doente.
Tem experiência na utilização de uma tecnologia que permite obter uma contagem diferencial leucocitária de cinco populações com uma amostra capilar colhida na própria consulta. De que forma pensa que o médico de Clínica Geral e as novas tecnologias de diagnóstico junto do doente podem contribuir para otimizar o uso dos antibióticos?
Tal como com o teste de diagnóstico antigénico rápido ou o teste da proteína C reativa, obter uma contagem e uma fórmula leucocitária em menos de 5 minutos a partir de uma gota de sangue capilar colhida no dedo do paciente é importante em determinadas situações. Para mim, a melhor mais-valia é perante uma infeção potencialmente grave, num paciente que apresenta febre e arrepios, ou em caso de suspeita de septicémia. Um aspeto positivo deste teste rápido é que, ao contrário do que acontece com o teste de diagnóstico antigénico rápido e da proteína C reativa, todos os clínicos estão familiarizados com a interpretação dos resultados de uma contagem e fórmula leucocitária e conseguem detetar a existência de uma leucocitose.
Qual a sua opinião acerca dos resultados destes dispositivos?
Fizemos um estudo de correlação dos dados obtidos com este dispositivo e os valores laboratoriais de referência em 44 sujeitos de teste, que apresentámos em 2015, num congresso de Medicina Familiar. Os resultados foram muito bons em termos de contagem leucocitária. Observámos uma correlação de r=0,885 relativamente ao resultado laboratorial de referência; em relação à fórmula leucocitária, as melhores correlações foram observadas na percentagem de eosinófilos, neutrófilos e linfócitos, enquanto a pior foi obtida com a percentagem de monócitos. Isto significa que, quando um médico tem de pedir um hemograma, poderia recorrer a este teste de diagnóstico rápido.
Conhece alguma publicação que avalie o potencial impacto do uso desta ferramenta na prescrição de antibióticos?
Sim, mas só nas urgências hospitalares e em alguns serviços hospitalares. Está planeado um ensaio clínico aleatorizado, paralelo e multicêntrico a nível de Espanha com o mesmo objetivo, para podermos avaliar melhor o impacto do uso destes testes nas consultas de cuidados primários em doentes com suspeita de infeção gripal.
Pensa que os principais desafios que se colocam a quem quiser usar esta tecnologia estarão mais relacionados com questões de inércia cultural? Ou, em sua opinião, onde devem centrar esforços as pessoas que acreditam que a evolução natural da prática clínica acaba por acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos na área de diagnóstico?
O recurso a testes de diagnóstico é inevitável. Existem atualmente no mercado várias técnicas de diagnóstico rápido, e haverá muitas mais num futuro próximo. Mas não é preciso haver um recurso excessivo a estes testes, como está a acontecer agora nos países escandinavos. A sobreprescrição desnecessária de antibióticos não deve ser substituída por uma sobreutilização de testes. À medida que estes testes rápidos forem demonstrando a sua eficácia e utilidade, irão sendo implementados nos cuidados primários, mas antes, o seu uso tem de estar bem suportado por estudos de qualidade elevada realizados no contexto dos cuidados primários.
Não existem conflitos de interesses entre o Dr. Carles Llor e qualquer empresa fornecedora de produtos relacionados com o teor desta entrevista.